quarta-feira, 24 de novembro de 2010

*Felicidade Clandestina*

Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada.



De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor.


Para que te servem essas unhas longas?


Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem.


Para que te serve essa cruel boca de fome?


Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer,
eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada.


Para que te servem essas mãos que ardem e prendem?


Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.



(Trecho do conto 'Os desastres de Sofia', in "Felicidade Clandestina)


Clarice Lispector

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