sábado, 25 de setembro de 2010

Resíduos de Uma Memória Póstuma

Sou primo de Brás Cubas. Igual a ele, também personagem de um romance,
só que bem canhestro.
Fui inventado por um escritor de segunda linha.
Mesmo assim, sigo os passos de meu primo famoso
e deixo as minhas memórias póstumas.
Escolhi copiá-lo já que nunca tive coragem de ser cândido enquanto respirei.
Embora um homem comum, sempre temi censuras.
Por este simples motivo decidi escrever só depois que abandonei a vida


Amei e odiei como todos, mas, acorrentado ao cotidiano,
não escapei de ser empurrado pelo ofício de sobreviver.
Eu acreditei no imperativo de findar a jornada como modelo de sucesso.
Assim, sonhei e trabalhei sem perceber a brevidade da vida.


Daqui, noto que me deixei encabrestar por escrúpulos sociais
e domesticar por demandas religiosas.
Pobre de mim, pacificado,
a minha existência se esvaiu em uma hemorragia lenta.


Agora morto, medito sobre o meu ativismo.
Restaram-me estes olhos fatigados, fixos e cadavéricos.
Vejo a estearina bruxuleante que acenderam
para a última vigília e desperto:
estas olheiras nasceram de minha constante responsabilidade.


Desde a adolescência lutei por ideais que me cobravam forças onipotentes.
Desprezei a sede pelo silêncio. Arfo pelo inefável. Tenho fome de beleza.


Onde estou, os espelhos são nítidos.
Brilha uma claridade cristalina por todos os lados.
Lembro-me dos mínimos detalhes e, como não tenho pressa,
determino que vou encontrar-me.


Não posso avinagrar o que restou na alma.
Preciso integrar-me e descansar o coração.
Espalho as circunstâncias vividas como peças de um tabuleiro,
para tentar dar algum sentido ao que experimentei.


Estabeleço que o tenho que deixará de ser um jugo;
o não devo, uma obrigação; o não posso, um tabu.


Quero ter a minha vida leve como uma pipa.
Que o meu porvir seja intrépido como uma jangada,
 feita com os galhos de um carvalho manso.
Só agora estou seguro.


Não preciso provar-me a uma divindade incontentável.
Nenhuma guilhotina desceu sobre meu pescoço imaterial.
Já não me sinto obrigado a defender um nome
- não se traz qualquer notabilidade para esta dimensão.
Sou anônimo entre anônimos.


Quando precisar escalar a próxima serra,
não me considerarei um pusilânime.
Prometo galgar todas as ladeiras sem fanfarrice.
Sóbrio, pretendo encarar o porvir com mais cuidado.


Aprendi, tardiamente, que a minha jornada foi precária,
as escolhas, provisórias e as certezas, imprecisas.
- Oh, nunca imaginei que admitiria a minha debilidade!


Há pouco, afirmava que só incompetentes e medíocres comentam os seus malogros.
Porém, contemplo o meu corpo inerte, desfigurado, sem viço. Juro:
- De agora em diante, marcharei um passo de cada vez, um pé na frente do outro
– o mal de cada dia me bastará.


Por que não inspirei a beleza inútil que me rodeava?
No estado de deslembrado, deixo de ser prático,
dou de ombros para os lógicos e rio dos úteis. Estranho.


Sinto-me satisfeito com as imagens imprecisas que o coração guardou.
Retalhos de momentos esparsos tornaram-se a minha pouca fonte de alegria.


Prometo: não serei leviano no próximo abraço,
distraído na próxima conversa e jamais reticente diante do próximo afeto.


Acabei-me. Não quero lápide.
Sei que vou amarelar nos álbuns de fotografia.
Inconformado, grito, esbravejo e esmurro o chão:
– Quero viver, quero viver, quero viver.
Mas, dos confins da eternidade, ressoa:


“Tarde demais”.




 
Resíduos de Uma Memória Póstuma


Ricardo Gondim

A N S E I O S

Meu doido coração aonde vais,


No teu imenso anseio de liberdade?


Toma cautela com a realidade;


Meu pobre coração olha que cais!


Deixa-te estar quietinho! Não amais


a doce quietação da soledade?


Tuas lindas quimeras irreais,


Não valem o prazer duma saudade!


Tu chamas ao meu seio, negra prisão!


Ai, vê lá bem, ó doido coração,


Não te deslumbres o brilho do luar!...


Não estendas tuas asas para o longe...


Deixa-te estar quietinho, triste monge,


Na paz da tua cela, a soluçar...


Florbela Espanca

L o u C o s e S a n T o s

Escolho meus amigos não pela pele ou outra característica qualquer,
mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louca e santa.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.


Para isso, só sendo loUco.
Quero os santos para que não duvidem das diferenças
e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.
Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.



Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade
sua fonte de aprendizagem,
mas lutam para que a fantasia não desapareça.


Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância, outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto;
e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.


Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, CrianÇas VelHos,
nunca me esquecerei de que "Normalidade" é uma iluSão imBecil e esTéril."


*Oscar Wilde*

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

E p i t á f i o

Tu és necessário e útil onde quer que estejas.

Assim, como no céu cada estrela preenche o espaço,
assim, também tu preenches esse lugar que Deus te designou,
quando teve necessidade de tí. 

O Amor de Deus transmite calor,
assim também o teu sorriso ilumina a escuridão
dos corações vazios.

Pois tu és necessário e útil exatamente aí,
onde tu estás...


"do túmulo ao lado do meu"

*Parabéns prá Você VICTOR*

    Guardei ta mais pura essência
    como um raro perfume,
    um valioso tesouro.


    Te guardei e te preservo
    nos caminhos da Saudades,
    que só as lágrimas conhecem
    que somente o Amor percebe!


    Não posso mais te abraçar
    nem festejar como faziamos,
    tão juntos e tão felizes...


   Ainda ouço teu riso e tua voz,
   sinto teu perfume e tuas mãos
   nas minhas mãos,
   meus braços nos teus abraços...
  
   Como você seria agora se estive nesta vida?
   Como teria sido a vida se você a tivesse vivido?
   A resposta meu irmão...é a certeza de que juntos teríamos vencido.
 

sábado, 18 de setembro de 2010

Canção da Plenitude

Não tenho mais os olhos de menina


nem corpo adolescente, e a pele


translúcida há muito se manchou.


Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura


agrandada pelos anos e o peso dos fardos


bons ou ruins.


(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)






O que te posso dar é mais que tudo


o que perdi: dou-te os meus ganhos.


A maturidade que consegue rir


quando em outros tempos choraria,


busca te agradar


quando antigamente quereria


apenas ser amada.


Posso dar-te muito mais do que beleza


e juventude agora: esses dourados anos


me ensinaram a amar melhor, com mais paciência


e não menos ardor, a entender-te


se precisas, a aguardar-te quando vais,


a dar-te regaço de amante e colo de amiga,


e sobretudo força — que vem do aprendizado.


Isso posso te dar: um mar antigo e confiável


cujas marés — mesmo se fogem — retornam,


cujas correntes ocultas não levam destroços


mas o sonho interminável das sereias.



do livro "Secreta Mirada"

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ausência...

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.



Porque nada te poderei dar, senão a mágoa de me veres eternamente exausto.


No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida,


e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.


Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.


Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados,


para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada,


que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.


Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.


Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada,


mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.


Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa,


porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.


E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.


Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos,


mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.


E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas


Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.






Vinicius de Moraes

Seja você!

Já que só aos eleitos

é dado o privilégio

de morrer num

mesmíssimo instante,

ao menos seja você,

sejam tuas mãos

a fechar meus olhos...

domingo, 5 de setembro de 2010