sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ausência...

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.



Porque nada te poderei dar, senão a mágoa de me veres eternamente exausto.


No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida,


e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.


Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.


Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados,


para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada,


que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.


Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.


Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada,


mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.


Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa,


porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.


E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.


Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos,


mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.


E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas


Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.






Vinicius de Moraes

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